segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Entre 75 e 92

É certo que a passagem da “órbita” de 75 à “órbita” de 92 não é fácil. Mas não pode prescindir, nesta fase pré-conclusiva, da clarificação no fundamental, indispensável à estruturação de um novo ponto de partida, assim como dos futuros pontos cardeais do País. Ora, era tudo isto que constituía o espírito do Grupo de Ofir e do Programa para uma Nova Década. E é sobre isso que tem um sentido ainda mais premente reinterpelarmo-nos hoje. Por exemplo: é possível chegar à sociedade aberta em Portugal pela simples via do crescimento vegetativo ou da “aurea mediocritas” que ela satisfaz mas sem verdadeiro renascimento político-cultural do País? A partidarização e radicalização do domínio serão compatíveis com um movimento que tem de ser de ordem nacional e histórica? Ou, num escalão diferente: a metodologia heróica e antinegocial é a melhor para antecipar uma sociedade moderna que se pretende justamente o contrário disso? Ou, na tonalidade ainda mais imediata de uma preocupação idêntica: as reformas de que carecemos poderão ser operacionais como meros “pacotes” de medidas legislativas? Onde está, por outras palavras, um programa ou, pelo menos, uma agenda para 1992 que seja um elenco de prioridades e corresponda, simultaneamente, quer a um modelo de viabilidade do País na Europa quer a uma proposta de reidentificação cultural do Estado e da Sociedade portuguesa, na sua actual postura e tensão?


(prefácio de “Objectivo 92 – No Caminho da Sociedade Aberta”, Grupo de Ofir, 1988, p. 12 e 13)

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Uma Constituição para Portugal (1975)

I

O HOMEM E O ESTADO

FUNDAMENTO E DIRECTRIZES “FUNDAMENTAIS” DE UM PROJECTO CONSTITUCIONAL

1

Determinação de uma imagem “essencial” do Homem, como base de uma viragem “copérnica” na ordem política: o Homem soberano em vez do Estado soberano:

a) A crença no Estado: as opções tradicionais do idealismo (liberal) e do materialismo (anti-liberal).
b) O Homem como unidade política primordial e essencial: não apenas limite mas centro – autor e controlador – da organização e da decisão política.

1 – O Homem como unidade de convergência e integração da ideia e da realidade;
2 – O Homem como unidade de convergência e integração da História colectiva e da Experiência individual;
3 – O Homem como unidade de convergência e integração do Indivíduo e do Povo.

c) Condições pressupostas, em geral, por uma verdadeira “antropocracia” política.


2

Sentido e opções práticas gerais deste projecto no plano do Direito e da Organização Política da Sociedade e do Estado:

a) Distanciamento das concepções ideolátricas da Constituição:

1 – Da constituição-cartilha do doutrinismo (burguês ou marxista);
2 – Da constituição-puzzle do ecletismo ideológico (do corporativismo ou, hoje, da social-democracia);
3 – A “hominização” da organização e das relações políticas como alternativa, progressiva, contínua e universal, em contraste com as concepções tradicionais.

b) Princípios gerais e específicos da concretização de um projecto constitucional
de fundamento antropológico-político:

1 – Estado Liberal e Estado Democrático como Democracia Social e Estado de Justiça:

a) reinterpretação consequente dos “direitos fundamentais”;
b) reinterpretação consequente da “organização política”.

2 – Directrizes específicas mais salientes de um Estado Legítimo mas Eficaz:

a) o princípio da “dignidade do homem” como garante da unidade da pessoa através dos vários direitos fundamentais e para além deles;
b) direitos de participação e igualdade em todos os graus de uma organização político-administrativa descentralizada e democrática;
c) organização bipolar e alternativa de todas as relações entre os órgãos superiores do Estado e participação do povo e indivíduo na sua formação e actividade;
d) reconhecimento e garantia do pluralismo interno e internacional e da continuidade ascendente e colateral de todos os graus e formas de expressão do Homem, inclusive na passagem da ordem nacional à ordem internacional.


3

Porquê e em que termos a oportunidade de um projecto deste tipo, aqui, em Portugal e, agora, depois do 25 de Abril:

a) Factores inibitórios: os resíduos e a tentação de uma noção épica do Estado;
b) Factores propiciatórios: o fim do Estado-Territorial e consequente carácter supérfluo da “soberania” e da “força” como principais factores constituintes.



(“Uma Constituição para Portugal” de Francisco Lucas Pires, Coimbra, 1975, p.1-3)