terça-feira, 14 de outubro de 2008

Regionalização e Europa



A consideração do fenómeno regional na construção europeia passou por várias fases. Podemos destrinçar pelo menos três: a dos anos setenta em que as regiões não existem nos Tratados; a da nova política regional dos anos oitenta até aos anos noventa, em que a política é concebida apenas de acordo com o factor territorial e o factor económico; e a posterior aos anos noventa, com o Tratado de Maastricht nomeadamente, em que as regiões são adoptadas ou integradas na política comunitária, como um factor político e institucional, ainda que modesto, já não apenas como um factor económico e territorial.
E se é duvidoso que a CIG-96 venha já a abrir um novo ciclo neste domínio, travado não só pelo retorno do intergovernamentalismo, como, sobretudo, pela sombra de outras prioridades, a evolução do fenómeno regionalizador continua a enfunar as suas velas. Para muitos, a Europa ofereceria hoje, até, uma espécie de quadro “neo-medieval” em que se progride no topo em termos de uma maior unidade e centralidade política, qual versão democrática dos tempos do Papa e do Imperador, enquanto na base cresce um pluralismo de entidades intermédias, como as Regiões.
Este último escalão permitiria satisfazer, ao mesmo tempo, objectivos da “nova democracia” e do “novo desenvolvimento”, ambos mais próximos, respectivamente, da vontade e das necessidades dos cidadãos. A “ferramenta” institucional da democracia será cada vez mais precisa à defesa da identidade, formas de coesão e estratégias, construídas e afirmadas, subsidiariamente, de baixo para cima e do particular para o geral.
Por um lado, o instrumental jurídico-institucional é hoje considerado prioritário a todos os níveis de desenvolvimento. As debilidades competitivas teriam, muitas vezes, origem mais na falta desses instrumentos de que na escassez de recursos. O direito e a democracia são, a todos os níveis, os primeiros e mais valiosos utensílios para a realização da ambição colectiva. É com eles que procuram equipar-se as “unidades geo-culturais” (P. Häberle) que são as regiões.
Por outro lado, tratar-se-ia de evitar novos absolutismos do geral, propiciados muitas vezes pelos hiatos da construção democrática. É por essa razão que estamos hoje não apenas perante um quadro social plural, mas pluralístico, para o qual o pluralismo já não é só uma realidade mas um valor positivo, activo e querido.
Além disso, é preciso assegurar um continuum entre o local e o global na defesa e promoção do desenvolvimento. Numa economia mundializada, as comunidades infraestatais com suficiente identidade cultural também não prescindem do espírito empresarial nem de vontade política própria. Carecem, por isso, de dimensão e autonomia para serem reconhecidas pelo mercado.
Entre o local e o mundial, a defesa e a comparticipação das várias formas de identidade organiza-se, assim, do modo mais homogéneo e horizontalizado. Por isso, as regiões voltam a procurar um lugar, sobretudo numa Europa onde a respectiva tradição lhes confere um suplemento de força e legitimidade.
A mundialização produz uma fragmentação atomista que ao nível social conduz ao individualismo. A regionalização, vista ela própria como ruptura, é afinal, neste novo cenário, uma forma de combater aquela forma extrema de desagregação dos laços sociais das comunidades intermédias e de estruturar, grau a grau, patamares de formação de unidade social.
Na reorganização das formas políticas que a internacionalização desafia, a regionalização avança, porém, como uma forma de aprendizagem institucional, por isso mesmo reformista, adaptativa e gradual. Tal adaptação tem de ter em conta, nomeadamente, o quadro externo, o qual não pode ser ignorado, neste como em qualquer outro problema político. Mais especificamente, mesmo quando o respectivo direito não é determinante ou imperativo a este propósito, será concerteza óbvio para todos que a União Europeia é a mais relevante moldura desse contexto.
Por um lado, todas as políticas da EU acabam por influir, de uma maneira ou de outra, sobre o território e a sua política de coesão económica, social e inter-regional é cada vez mais solicitada pelos próprios Estados-membros. Por outro lado, o peso da EU no seu conjunto representa o primeiro contraforte de defesa e a primeira alavanca externa das comunidades que a integram – Regiões compreendidas – face aos novos desafios da mundialização.Pode-se, pois, concluir que a construção europeia favorece uma cultura regionalizadora embora não a imponha e só escassamente a integre. Mesmo depois da CIG-96, ela continuará a assentar e a visar uma Europa dos Estados, embora, no terreno, a diferenciação regionalizadora vá continuar a crescer a um ritmo aproximado da integração e, sob esse aspecto, a carecer também de uma paralela atenção e a contribuir para a própria modelação da arquitectura conjunta.

(Regionalização e Europa, UAL, 1996)

2 comentários:

Anônimo disse...

nunca perdem actualidade estes textos.

abraço,colegas

Anônimo disse...

Ao longo da vida, habituei-me a ver a personalidade política de Francisco Lucas Pires como um exemplo aglutinador de políticas e de contributos, exemplarmente realizado na votação unânime do programa político para a Cultura que apresentou na Assembleia da República, no quadro da aprovação do Programa de governo a que pertenceu como Ministro.
Se a memória não me atraiçoa, foi o único ministro desse Governo que viu o respectivo programa sectorial aprovado por unanimidade, revelador não só da excelência temática de um tal programa como da sua extraordinária visão política e estratégica que nunca mereceu dos seus dirigidos nem de outros, na fase de liderança partidária, a mobilização e aderência necessárias ao trabalho político e a excelência do seu pensamento colocada na concepção e concretização das ideias e práticas políticas.
Justino Oliveira Marques