terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Debates Parlamentares: emigração e Negócios Estrangeiros (1976)

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lucas Pires, tenha a bondade.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão tem-se arrastado um tanto, tem sido um bocado birrenta, e eu não sei se a minha intervenção ainda servirá para convencer, porque as pessoas estão já desanimadas por certos complexos nervosos, de pressa, nomeadamente.
Em todo o caso, o equívoco que está aqui presente parece-me de tal modo grave que eu atrevo-me a intervir. Efectivamente, parece-me um conúbio, de todo espúrio, que pode parir monstruosidades, este da emigração com os Negócios Estrangeiros. É que a mim dá-me a ideia, e parece-me isso uma evidência apodítica, que a política da emigração se faz cá, neste país, antes de os emigrantes partirem, e que partir de outro ponto de vista é desnacionalizar implicitamente esses nossos compatriotas. Partir da ideia de que essa política se faz através de terceiros Estados é efectivamente confiar esses emigrantes à exploração capitalista desses Estados (risos), atitude tão reprovada por parte da esquerda, e dos socialistas nomeadamente.
Manifestações de desagrado do PS.
Por outro lado, há aqui também, digamos, algumas incompatibilidades ou atropelos lógicos evidentes. É evidente que, a política dos Negócios Estrangeiros é uma política de relação entre entidades abstractas chamadas Estados. A política da emigração é uma política de relação entre uma entidade que se chama Estado e certas pessoas concretas, humanamente identificáveis, com certo estatuto social. É portanto, uma política com todas as conotações. E isto é tanto mais grave quanto mais a política externa se torna hoje abstracta, mundialista, interpretação de relações de força, sem qualquer dimensão proporcionada para o homem. A política da emigração, essa, deve ser, do nosso ponto de vista, personalista, crescentemente uma política proporcionada para o homem. (...)
É que nós não devemos partir da perspectiva com que o Estado trata os problemas, mas da perspectiva com que os interessados sentem os problemas. Nós somos os representantes da sociedade perante o Estado e não os representantes do Estado perante a sociedade. Nós somos os representantes do povo e não os funcionários do Estado ou os agentes do Ministério dos Negócios Estrangeiros perante a sociedade. Era isto que eu tinha a dizer.

(23 de Julho 1976 Diário da Assembleia da República nº 12, p. 274 e 275)