O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O pedido de suspensão da lei das expropriações proposto pelo meu partido tem levantado alguns engulhos, pelo que não será excessivo voltar a perguntar: porquê este pedido de suspensão?
A resposta é simples. Quando Lopes Cardoso perguntava: "Prosseguir como, prosseguir em que sentido, prosseguir quando?", estava ele próprio a responder a esta pergunta.
Quando o PSD pede um livro branco e Ribeiro Telles um referendo sobre a Reforma Agrária, a que corresponderá também todo este clamor senão a um estado psíquico de inquietação, a um estado intelectual de perplexidade, a um estado económico de pânico e, em resumo, a um estado político de suspensão?
O que o CDS traz aqui é a voz de um grande rumor colectivo que quer saber se há ou não em Portugal uma vontade política deliberada e maioritária que o País possa responsabilizar por esta Reforma Agrária.
Em suma: perante esta Reforma Agrária, deve este país ser o reformado ou o reformador?
Sejam quais forem os resultados deste debate, o Governo, os partidos e o País só terão a beneficiar com a clarificação emergente. Qualquer que seja a escolha, ela ficará desde logo crismada com a autoridade de decisão democrática e este país deixará de ser objecto para passar a ser sujeito da sua própria vontade política.
Este avanço e esta clarificação supõem, porém, uma atitude desinibida e disponível. É preciso que se aceite que esta não é a única possível Reforma Agrária ou que se aceite, pelo menos, uma reforma da Reforma Agrária.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Defender o carácter dogmático e irreversível desta Reforma Agrária seria o mesmo que pôr a Revolução para trás, enquanto nós, contemplativos, nos púnhamos de costas para o futuro, a fotografá-la ou a esculpi-la. Tal tique passadista seria, além do mais, perigoso. É que a democracia não é só uma correlação de forças. Ela exige também uma correlação de tempos em que o futuro valha sempre mais do que o passado. Historicamente foi ela a ponte pela qual a Humanidade passou da história do passado - ou da repetição - à história do futuro e da invenção. Infelizmente, tal ponte é levadiça. Por isso é sempre um risco para a democracia entronizar vacas sagradas e para nós, portugueses, neste momento, a prevenção contra elas é tanto mais necessária quanto é certo que elas vêm normalmente atrás das vacas magras... De resto, é uma sintomática curiosidade que seja a esquerda marxista a pôr as fórmulas jurídicas da Reforma Agrária como condição e limite do desenvolvimento futuro das forças produtivas e das relações de produção. É caso para perguntar: quem é que tem o futuro atrás de si? Não haverá ainda nesta teimosia anti-reformista contra a lei das expropriações o espírito da "muralha de aço"? Quantas vezes não persistirá ainda entre nós o "complexo das barricadas"? Certa esquerda pode querer utilizar a Reforma Agrária como a barricada institucional, isto é, como a permanência organizada e normalizada do 28 de Setembro e do 11 de Março.
O Sr. Vítor (Louro (PCP): - Foi a CAP que ameaçou, Sr. Deputado.
O Orador: - Há nisso tudo a renitência em passar do antifascismo ao pós-fascismo, em passar da Reforma Agrária antifascista à Reforma Agrária democrática.
(Aplausos do CDS)
Enquanto essa passagem se não fizer, o futuro estará sempre por vir e o passado estará sempre para chegar. Quem é que pode ter medo da democracia nestas condições? Invoca-se, porém, a Constituição para sacralizar esta lei. Constitucionalidade de uma lei é uma coisa, irrevogabilidade é outra. Nem as constituições têm a unção de eternidade, quanto mais as leis ordinárias. É evidente que estou a supor que ninguém se atreverá nesta Sala a considerar que as normas da lei de expropriações são normas constitucionais. A maioria desta Assembleia não pode, pois, esconder-se atrás desse biombo da constitucionalidade. É diante de nós todos que ela há-de ficar nua. De resto, constitucional ou não, nunca esta lei se eximirá à evidência garrafal nos anais da patologia jurídica dos países civilizados, no século e no espaço civilizado em que vivemos. Vejamos:
Tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O pedido de suspensão da lei das expropriações proposto pelo meu partido tem levantado alguns engulhos, pelo que não será excessivo voltar a perguntar: porquê este pedido de suspensão?
A resposta é simples. Quando Lopes Cardoso perguntava: "Prosseguir como, prosseguir em que sentido, prosseguir quando?", estava ele próprio a responder a esta pergunta.
Quando o PSD pede um livro branco e Ribeiro Telles um referendo sobre a Reforma Agrária, a que corresponderá também todo este clamor senão a um estado psíquico de inquietação, a um estado intelectual de perplexidade, a um estado económico de pânico e, em resumo, a um estado político de suspensão?
O que o CDS traz aqui é a voz de um grande rumor colectivo que quer saber se há ou não em Portugal uma vontade política deliberada e maioritária que o País possa responsabilizar por esta Reforma Agrária.
Em suma: perante esta Reforma Agrária, deve este país ser o reformado ou o reformador?
Sejam quais forem os resultados deste debate, o Governo, os partidos e o País só terão a beneficiar com a clarificação emergente. Qualquer que seja a escolha, ela ficará desde logo crismada com a autoridade de decisão democrática e este país deixará de ser objecto para passar a ser sujeito da sua própria vontade política.
Este avanço e esta clarificação supõem, porém, uma atitude desinibida e disponível. É preciso que se aceite que esta não é a única possível Reforma Agrária ou que se aceite, pelo menos, uma reforma da Reforma Agrária.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Defender o carácter dogmático e irreversível desta Reforma Agrária seria o mesmo que pôr a Revolução para trás, enquanto nós, contemplativos, nos púnhamos de costas para o futuro, a fotografá-la ou a esculpi-la. Tal tique passadista seria, além do mais, perigoso. É que a democracia não é só uma correlação de forças. Ela exige também uma correlação de tempos em que o futuro valha sempre mais do que o passado. Historicamente foi ela a ponte pela qual a Humanidade passou da história do passado - ou da repetição - à história do futuro e da invenção. Infelizmente, tal ponte é levadiça. Por isso é sempre um risco para a democracia entronizar vacas sagradas e para nós, portugueses, neste momento, a prevenção contra elas é tanto mais necessária quanto é certo que elas vêm normalmente atrás das vacas magras... De resto, é uma sintomática curiosidade que seja a esquerda marxista a pôr as fórmulas jurídicas da Reforma Agrária como condição e limite do desenvolvimento futuro das forças produtivas e das relações de produção. É caso para perguntar: quem é que tem o futuro atrás de si? Não haverá ainda nesta teimosia anti-reformista contra a lei das expropriações o espírito da "muralha de aço"? Quantas vezes não persistirá ainda entre nós o "complexo das barricadas"? Certa esquerda pode querer utilizar a Reforma Agrária como a barricada institucional, isto é, como a permanência organizada e normalizada do 28 de Setembro e do 11 de Março.
O Sr. Vítor (Louro (PCP): - Foi a CAP que ameaçou, Sr. Deputado.
O Orador: - Há nisso tudo a renitência em passar do antifascismo ao pós-fascismo, em passar da Reforma Agrária antifascista à Reforma Agrária democrática.
(Aplausos do CDS)
Enquanto essa passagem se não fizer, o futuro estará sempre por vir e o passado estará sempre para chegar. Quem é que pode ter medo da democracia nestas condições? Invoca-se, porém, a Constituição para sacralizar esta lei. Constitucionalidade de uma lei é uma coisa, irrevogabilidade é outra. Nem as constituições têm a unção de eternidade, quanto mais as leis ordinárias. É evidente que estou a supor que ninguém se atreverá nesta Sala a considerar que as normas da lei de expropriações são normas constitucionais. A maioria desta Assembleia não pode, pois, esconder-se atrás desse biombo da constitucionalidade. É diante de nós todos que ela há-de ficar nua. De resto, constitucional ou não, nunca esta lei se eximirá à evidência garrafal nos anais da patologia jurídica dos países civilizados, no século e no espaço civilizado em que vivemos. Vejamos:
a) Teve uma origem cupulista, nascendo de um Governo Provisório, que acabou por funcionar irregularmente como poder constituinte, à revelia do Programa do MFA, que não impunha nem previa qualquer norma constitucional neste domínio;
b) Esta lei foi essencialmente um instrumento de alteração das relações de força política e foi sempre - como força de ocupação primeiro, militar depois, de inércia por último - que sempre valeu e foi executada e garantida; nunca o foi, primacialmente, como direito e justiça;
c) Esta lei não só não teve nenhum destinatário cumpridor, como, além disso, a própria Administração infringiu, na sua aplicação, normas constitucionais tão elementares como a do princípio da legalidade;
d) Esta lei disparou e protegeu a criação de um ghetto territorial onde o diálogo e a propaganda concorrencial da democracia são permanentemente problemáticas;
e) É uma Reforma Agrária parcial, e não apenas no sentido geográfico, pois é obscura a respeito de problemas democraticamente fundamentais, como, por exemplo, o das obrigações das unidades colectivas de produção perante o Estado ou o do estatuto e das garantias de democracia interna dessas unidades;
f) Tal como nos países do Leste, pagaram-se as expropriações com uma promessa legal de indemnização que não foi cumprida e cujo prazo expirou, de tal modo que tal lei se denega a si própria como lei de expropriações, prestando-se a ser configurada, sim, como ordem de confisco. A inexistência de qualquer contraprestação, ainda que simbólica, faz com que não se possa também pensar em transferência ou em aquisição de propriedade, na qual não deixará, pois, de se reflectir um estatuto psico-social de res nullius, com as consequências económicas daí decorrentes;
g) A lei fixa um critério qualitativo do limite de expropriação - 50 000 pontos - que é contraditório com a noção quantitativa e territorial de latifúndio e faz cair na sua alçada pequenos e médios agricultores que vivem à beira da subsistência, que, portanto, nunca poderão ter sido, como a lei supõe, suportes do fascismo;
h) A manutenção da lei infringe a relação constitucional que associa Plano e Reforma Agrária, pois agora é esta Reforma que condiciona o Plano, retirando-lhe a liberdade e a globalidade a que ele não podia deixar de aspirar;
i) Esta lei confessa-se ditada por puras motivações políticas: a remoção dos esteios do fascismo no Alentejo. Este problema está hoje resolvido. Parece que será por isso a altura de a corrigir ou reelaborar, de modo a atender e mesmo privilegiar os restantes objectivos constitucionais - nomeadamente económicos - até agora por realizar.
Em suma, esta lei foi das expressões mais aprimoradas da chamada legalidade revolucionária e a sua manutenção tal e qual não é compatível com um regime de legalidade democrática.
O que se pretende, porém, é boiar essa lei através de um terceiro critério de legalidade, a legalidade socialista.
A verdade é, porém, que também esta legalidade socialista não reconhece que direito e justiça só o são as normas do imperativo categórico colectivo, democraticamente definido.
Também para esta legalidade socialista o direito, a justiça e a vontade democrática são tratados apenas como tapetes rolantes que transportam as massas para a solução final socialista. Isto é, a legalidade socialista não é um tertium genus e acaba por ser apenas a mudança da legalidade revolucionária da rua para o palácio...
Sem o advento definitivo da legalidade democrática, sem a superação definitiva da legalidade socialista, não será possível ultrapassar o pingue-pongue institucionalizado entre Beja e Rio Maior ou, pelo menos, torná-lo menos importante do que a deliberação desta Câmara. A não ser assim, a questão continuará na rua, apesar da passagem episódica por esta Assembleia.
Enquanto isso não acontecer teremos, de facto, uma zona expropriada do País, onde, de acordo com Lenine, o partido está acima do Estado, enquanto no resto do País se aglomeram e reúnem as múltiplas formas de desenvolvimento integrado e criativo das sociedades democráticas.
Sem legalidade democrática da Reforma Agrária, é inevitável que se mantenha e desenvolva uma tensão entre a zona da Reforma Agrária e o novo espírito crescente de contra-Reforma Agrária, alimentando a primeira um colectivismo crescente e empertigando a segunda o espírito da propriedade privada.
Ao imobilismo da repetição natural da Natureza foi juntar-se no Alentejo o imobilismo das formas estatistas. É devido a essa junção que a estatização da agricultura, ou o seu controle político directo, é a mais superconservadora de todas as formas estatistas.
O estatismo arrasta à monocultura física e, reflexamente, à ideológica, pois sabe-se que é no domínio totalitário do homem sobre a Natureza que radica o fundamento do mais totalitário domínio do homem sobre o homem. A monocultura é não só a cultura ideal do deserto, onde, como se sabe, só irrompem sempre formas tirânicas de poder, como, além disso, o húmus de uma agricultura, não de camponeses, mas de máquinas e mecânicos, cuja vocação aponta para a completa destruição do equilíbrio entre o homem e a terra.
De resto, e para maior lástima, este estatismo não custa nada aos estatistas. Não tem de se pagar a si mesmo. É o Estado burguês que lhes enche as algibeiras e lhes aquece as castas. Por um lado, os estímulos materiais por ela distribuídos são anteriores, gerais, generalizados, constantes e independentes da produção e, por outro lado, não há regime de entregas obrigatórias para as unidades colectivas ou outro que traduza as responsabilidades de cada unidade colectiva. É que, ao contrário dos países do Leste, em que a Reforma Agrária foi contemporânea ou posterior da expropriação do próprio Estado pelo partido, aqui ela conta ainda com o antepassado Estado providencial da "burguesia"... É este que está a produzir e a proteger os rendimentos infundados, fazendo jus ao epíteto de capitalista...
Ao seu benemérito a Reforma Agrária não tem de pagar senão um pequeno tributo. O tributo é o respeito de pequenos enclaves de propriedade privada. A propriedade privada que é aí apenas autorizada, mas implicitamente é considerada ilegítima. A sua função é apenas acessória da propriedade colectiva. Tal como as parcelas complementares das unidades de produção no Leste, essa propriedade privada só serve quer para dar uma aparência de intrínseca democraticidade, quer para estabilizar o sistema da economia colectiva sempre que este entra em panne.
Neste contexto, completamente irradiado do patronato, parece que os sindicatos não teriam muito para fazer.
Porquê então se queixa Mário Soares do excesso de poder dos sindicatos agrícolas?
A verdade é que Mário Soares é injusto e contraditório. O comportamento destes sindicatos não é senão, de facto, o expoente mais extremo e mais caricatural da situação de quase todo o sindicalismo em Portugal. Numa economia estatizada a 70% é evidente que os sindicatos deixam de representar interesses económicos e sociais face a outros interesses económicos e sociais, para investirem directamente na área de acção do Estado e na área política em geral como forças de vontade unilateral. A estatização da economia leva-os da trama produtiva e dialéctica privada para a trama política, comportando-se os dirigentes como representantes de trabalhadores-funcionários, com a noção desperta, até, dos próprios valores hierárquicos da Administração. Por isso não admira que, desligados do movimento dos interesses na economia de mercado, muitos sindicatos se comportem irracionalmente, do ponto de vista económico. Daí também que, do ponto de vista político, esses sindicatos sejam dominados pelos partidos de Estado, aqueles que, à boa ou à má fila, preferiram identificar-se mais com o Estado socialista do que com a sociedade democrática.
É aliás o carácter necessariamente político do tipo de intervenção sindical que faz das relações do Governo com os sindicatos - e não apenas no Alentejo - um problema dramático, que só comporta esta alternativa: torná-los dóceis através de uma central sindical afecta ou tê-los por inimigos de princípio e que não dão tréguas.
De resto, para lá da Reforma Agrária há mais país pré-democrático e antidemocrático ainda subsistente.
É talvez porque a democracia entre nós é sempre entendida mais como complacência do que como decisão. Para ocupar esse vazio de força e decisão democrática colectiva, ainda em plena democracia, é que aparecem pressurosas forças partidárias que pensam em termos de revolução e mesmo promovem a revolução na democracia, na falha de uma democracia revolucionária capaz de se impor e institucionalizar, perante os seus próprios componentes, como entidade que está mais além e mais acima.
A iniciativa do CDS integra-se, por isso, num conjunto de outras que querem restituir esta altura e esta dimensão à democracia portuguesa. Também o pedido de suspensão da Lei do Serviço Cívico visa, por exemplo, um saneamento democrático e maioritário em prol da completa desgonçalvização da vida política.
Foi-se Vasco Gonçalves, mas ficaram as leis e as estruturas do gonçalvismo. É que as bandeiras só são precisas para abrir caminho, não para caminhar. E, no entanto, pergunta-se: poderá fazer-se uma democracia com restos de ditadura? Esses restos estão imersos, mas, enquanto esperam por voltar à tona, engasgam toda a expressão democrática e pretendem transformar até essa mesma democracia num gigantesco caldinho de ópio popular e ilusão, impedindo, porém, o seu funcionamento como critério de desenvolvimento em igualdade e liberdade.
O antigonçalvismo foi -- afinal bem pouco. Apeou a estátua, mas deixou ficar o pedestal. Parece, à distância, ter sido apenas a aplicação da teoria do bode expiatório, afastado pela pressa de outro poder pessoal, mais do que pela necessidade de outro critério de Governo.
Já antes se havia utilizado processo semelhante: as pessoas haviam sido substituídas, mas o aparelho do Estado continuava quase o mesmo, provado que fora durante quarenta e oito anos que serviu também à direcção colectiva de cima para baixo.
Aliás, também agora, quando se diz que Lopes Cardoso sai mas que a sua política, essa, vai continuar, é a uma nova ressurreição da teoria do bode expiatório que se está a assistir. Tudo isto produto de uma concepção arcaica e teológica, nos termos da qual o mal, em política, também tem por portador um demónio pessoal, sendo o problema político um ritual de permanentes exorcismos.
É duplamente simbólico que, tal como com a colonização, por um lado, tal como no princípio da nacionalidade, por outro, hoje, com esta Reforma Agrária, volte a ter sentido a noção de além-Tejo - além-Tejo contraposto a aquém-Tejo.
É um neocorporativismo político-territorial e este neocorporativismo político-territorial não é o único. A princípio fora a revolução contra a reacção. Ainda há pouco ouvimos pôr o Conselho da Revolução para um lado e os órgãos da democracia para o outro. E já estamos habituados a palavras e impostos para a direita e o sector privado e a créditos e acções para a esquerda e o sector público, tudo, aliás, numa perspectiva que deve ser a interpretação sui generis da coexistência concorrencial entre o sector público e o sector privado...
(Risos.)
O Sr. Presidente: - Chamo a atenção do Sr. Deputado para o facto de que tem dois minutos para terminar a sua intervenção.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Mas é sobretudo sintomático que tenhamos, de um lado, o socialismo original, que se deixa pendurar, com todo o seu anafado corpo, de um empréstimo da maior potência capitalista mundial e, do outro lado, na zona desta Reforma Agrária, um socialismo de reprise, cujo maior crédito são as doações de máquinas da maior potência comunista mundial.
Parece o complexo de Tordesilhas voltado contra nós. Quando já não dividimos o Mundo, eis que fazemos que nos passe pelo meio o risco mais fundo e desirmanador que separa entre si os terrestres.
É como se nos tivessem feito engolir o Tratado de Tordesilhas. As Tordesilhas da impotência, depois das Tordesilhas do Poder. Eis, pois, o momento de evitar que o fim do ciclo do império se torne no "princípio do ciclo da colónia".
O cúmulo da angústia seria, de facto, que estivéssemos a passar do capitalismo subordinado que éramos para um socialismo, além disso, subornado. Não será contraditório que nos libertem tornando-nos proletários, ao mesmo tempo, do império socialista e do império capitalista? Não somos um país satélite, mas somos, afinal, um país duplamente satélite. Quem negará que um programa como o nosso, assente na mobilização de todas as energias de liberdade e criação dos Portugueses, poderia erguer melhor a independência, a dignidade e o orgulho de Portugal?
É também para combater contra este empate interno e essa sujeição externa que o CDS pediu a suspensão da Lei da Reforma Agrária.
É essa uma das condições da completa libertação económica e política da iniciativa democrática no nosso país. A verdade é que nos próprios países do Leste a Reforma Agrária evolui e continua a evoluir. É incompreensível que se possa pensar que o Estado manda agora menos no Alentejo do que mandava antes. Aberto o caminho é que se pode caminhar no sentido de uma reforma da Reforma Agrária, agora que ele é aí o único patrão. É agora até, e porventura só agora, que ele pode pôr todo o seu poder ao serviço da libertação e da riqueza dos homens que aí nasceram e vivem, os homens a quem os dramas anteriores e actuais levaram a tomar a sua terra como toda a terra e, mesmo nalguma maneira, como um inferno e um céu. Para que estes se libertem das doses de medo e de ilusão que essa experiência comporta é preciso que nós dêmos o exemplo da coragem democrática perante esta lei das expropriações.
Se, pensando nos homens do Alentejo e escutando as suas queixas e as suas divergências, subsistisse no nosso espírito algum resto de divisão íntima, não seria essa divisão motivo de fraqueza espiritual, porque nós sabemos o que ela significa.
Não à reforma agrária gonçalvista, sim à reforma agrária democrática.
(Aplausos do CDS)
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira para pedidos de esclarecimento.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Deputado: Eu temo que a sanha contra a Reforma Agrária de que se mostra possesso, a pressa com que leu o papel que trazia e a linguagem esotérica que utilizou não tenham permitido...
O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Não percebeu?
O Orador: -... a todos os presentes perceber integralmente o sentido da sua intervenção.
O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Já calculávamos!
O Orador: - Por isso eu queria fazer apenas dois pedidos de esclarecimento. Primeiro, desejava saber quando é que o CDS propõe aqui a lei suspendendo a Constituição; depois, pergunto quando é que o CDS propõe aqui um projecto de lei revogando o 25 de Abril.
(Risos)
O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Provocação torpe!
O Sr. Manuel Gusmão (PCP): - Sentem-se mal, Srs. Deputados?
O Sr. Presidente: - Ninguém mais pede a palavra para pedidos de esclarecimento?
Tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires para responder.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu desejava dizer ao Sr. Deputado Vital Moreira que eu falo para quem fala e não para quem berra. É talvez por isso que o Sr. Deputado não me compreendeu inteiramente.
(Aplausos do CDS)
Aliás, eu devo dizer o seguinte: não é a primeira vez que, enquanto o Sr. Deputado fala me ocorrem pensamentos surrealistas, tais como este: se os Americanos têm o direito de chamar a Frank Sinatra “a voz", por que é que não devemos ter o direito de chamar a si "o berro”?
(Risos)
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Não sei se a culpa desses pensamentos surrealistas é minha ou será sua. Em todo o caso, não deixarei de traduzir esses pensamentos que me passam pela cabeça nos momentos em que o ouço falar.
Além disso, sobre esse aspecto e sobre a compreensão das minhas fórmulas, queria dizer-lhe outra coisa: eu sei que o marxismo condena os seus intelectuais a serem puros explicadores de uma coisa escrita há muito tempo, e portanto também sei que eles, por fidelidade à letra e por fetichismo da palavra, se encerram demasiado na logomaquia desse mesmo sistema para poderem sair dele e poderem compreender o resto.
Talvez isto seja uma explicação para as suas dificuldades da minha linguagem.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Conheço a sua linguagem desde há dez anos em revistas fascistas.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ignorante!
O Orador: - O resto que o Sr. Deputado disse foi uma provocação que se volta automaticamente mais contra si e que pede de mim muito poucas explicações. Em todo o caso, dir-lhe-ia que, no caso de querer aprofundar mais a minha resposta, eu considero que o 25 de Abril foi a revolução democrática, mas para que a sua pureza seja mantida, e foi esse o sentido do 25 de Novembro, é preciso extirpar muita coisa e não apenas produzir a vitória militar do 25 de Novembro.
Uma voz do PCP:- É preciso que volte o fascismo!
O Sr. Amaro da Costa (CDS): - O que é preciso é que não volte o 24 de Novembro, onde os Srs. Deputados estavam.
O Orador: - Sr. Deputado: Suponho que isto é tudo quanto basta para o esclarecer.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Esclarecidíssimo!
Vozes do CDS: - Ainda bem!
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Custou, mas foi!
(11 de Novembro de 1976, in Diário da Assembleia da República N.º 38, págs. 1156 a 1160)
Um comentário:
Afinal para que serve o CDS? Para atrasar as conquistas sociais, ou para nos fazer voltar para trás? Esse dicurso é vergonhoso.
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