sexta-feira, 21 de março de 2008

A Mística do Benfica




Senhor Presidente do Congresso do Benfica
Senhor Presidente da Direcção
Senhores Ex-Presidentes do Benfica presentes
Minhas Senhoras e Meus Senhores


I

Quero antes de mais agradecer à Comissão Organizadora deste Congresso pela honra que me deu de poder aqui proferir um breve testemunho e participar nestes trabalhos. Julgo, aliás, que os organizadores deste Congresso merecem da minha parte, em primeiro lugar, uma viva saudação e aplauso porque demonstraram aquilo que caracteriza os grandes “jogadores” e as grandes “equipas”: um grande “poder de antecipação.” De facto, a mística de que vimos aqui falar está, hoje, diante de nós, nos estádios da Europa, o que, aliás, tornaria dispensáveis a minha eloquência e a de todos os restantes participantes neste Congresso.

Realmente os organizadores deste Congresso foram, em relação aos sucessos actuais do Benfica na campanha europeia, uma espécie de Sãos Joões Baptistas que, de algum modo, empurraram, serviram de alavanca, talvez de rectaguarda, à redescoberta de uma parte das mais importantes desta mística – a europeia, a da ambição extra-fronteiras – que, sem dúvida, foi sempre uma das características desta grande colectividade. Porventura, uma mística é exactamente isso: algo que pode explodir de um momento para o outro, apesar de parecer oculta ou submersa. É algo que se manifesta sobretudo como energia nos momentos mais decisivos de um determinado grupo e da sua História. O sucesso desta proposta da equipe do Senhor João Santos de um “Benfica para a Europa” é não apenas o sucesso dessa equipa mas um sucesso do Benfica no seu conjunto, enquanto colectividade que continua a ter por ambição o máximo que se pode propor a uma colectividade desportiva e futebolística no nosso caso.

Todos nós fomos afinal ultrapassados pela realidade. Qualquer que seja o resultado de Estugarda e procurando falar em nome do sócio comum, mais do que de qualquer ex-dirigente desportivo que também fui, julgo que há realmente um movimento, um estado de alma na vida do Benfica que é positivo e animador quando nos lembramos do recente reacender daquilo que foi crismado, com certeza pelos nossos adversários, de “inferno da Luz”, ou quando pensamos no facto de o Benfica poder gerar uma “peregrinação” de 20 mil portugueses ao que vai ser um dos sacrários da emoção nacional dos próximos tempos: o Estádio de Estugarda no próximo dia 25 de Maio.

No fundo, tudo isto é também para dizer que me seria hoje muito difícil falar da mística do Benfica pois aprendi com a Igreja que o “apostolado do exemplo” é melhor do que o das palavras. Ora o Benfica acaba de dar com o “apostolado” do seu exemplo a ideia de que realmente é um grande embaixador do País. É uma das formas de presença e símbolo de Portugal no mundo para nós todos, em particular, aliás, para os nossos emigrantes que, segundo os dados que puder ler no Jornal do Benfica, irão ocupar, juntamente com as pessoas idas daqui, 70% dos lugares do estádio dessa cidade alemã onde se desenrola este encontro. Tudo isto faz também com que a minha intervenção não seja, como pomposamente lhe foi chamada, uma “comunicação” ou muito menos uma “conferência” mas, muito mais, um “testemunho”, esforçado mas modesto, sobre a importância do Benfica para Portugal nos aspectos internacionais.

II

Tal vocação assenta imediatamente onde devia assentar. Baseia-se nas raízes do Benfica, isto é, nos seus próprios estatutos, na sua própria “Constituição”, aquilo que se poderia chamar a concepção matricial do Clube ou o factor do consenso mais geral entre todos os benfiquistas.

A dimensão “universal” do Sport Lisboa e Benfica resulta, de facto, de normas estatuárias, segundo as quais as filiais, as casas do Benfica, as delegações podem ser constituídas através de todo o mundo. Isso significa, em suma, que o Benfica ele próprio está organizado com “embaixadas” como qualquer organização nacional que prezasse a sua expansão no exterior e que quisesse, no exterior, falar em nome de Portugal. A vantagem destas delegações e destas embaixadas é que elas não custam nada aos contribuintes portugueses e são um acto voluntário e dedicado de pessoas que continuam lá fora a acalentar, através da dedicação ao Benfica, a própria dedicação a Portugal. Além disso, estas embaixadas estão disseminadas por vários continentes, pois há delegações do Benfica e casas do Benfica nos Estados Unidos e no Canadá, mas também na Europa e até na Ásia, em Macau. São, repito, a demonstração de que o Benfica foi pensado desde o início para ser também um Embaixador de Portugal. Seria até interessante acompanhar esta pequena e despretensiosa exposição de um mapa que mostrasse como a geografia do Benfica através do território português e do território europeu e americano também é uma amostra da sua ambição que, excedendo mãe-pátria, serve de cordão umbilical permanente com os portugueses da “diáspora”.

Além dessas delegações , existem “núcleos de benfiquistas” um pouco por toda a parte. Talvez tão importante como isso, os relatos sobre os jogos do Benfica são um factor de consenso nos próprios países que falam português. De facto, eles são ouvidos com a mesma atenção tanto em Luanda, onde governa o MPLA, como na Jamba, onde a UNITA combate. São, portanto, algo que tem a ver com toda a língua portuguesa no seu conjunto e não apenas com uma expressão de Portugal lá fora. O Benfica representa um indesmentível factor de unidade nacional e devo dizer que já uma vez, na ausência do passaporte, o cartão de sócio do Benfica me chegou a servir de passaporte… Tentei utilizar outros cartões aparentemente mais importantes politicamente, mas foi o do Benfica que me ajudou nesse contratempo.

No fundo a própria política encetada por esta direcção parece ter sido encaminhada no bom sentido, na medida em que se preocupou com recrear e dinamizar muitas dessas filiais, ou “casas do Benfica” – porque “casa” tem uma expressão mais familiar e porventura quadra melhor com o próprio tema da mística de que estamos aqui a falar. Ninguém duvidará, aliás, que “casa portuguesa” e “casa do Benfica” serão quase expressões sinónimas. Talvez à expressão “Uma Equipa para a Europa” falte apenas a ideia, o acrescento, de um Clube para o mundo português ou para o mundo dos portugueses, porque essa é também, sem dúvida, um dos patamares simbólicos da expressão benfiquista.

Recentemente fundou-se, por exemplo, a Casa do Benfica no Luxemburgo, promoveu-se um enorme convívio com o Sport Bruxelas e Benfica e tanto quanto sei projecta-se, a curto prazo, a criação das Casas do Benfica do Funchal, Paris e Estugarda. A importância destes clubes é, por vezes, surpreendente, como é o caso do Sport Bruxelas e Benfica fundado em 10 de Junho de 85, mas, apenas dois anos após (1987), campeão belga de futebol Amador e, provavelmente, de novo, este ano, campeão nacional belga dessa categoria. É um Clube que tem sede própria, tem 90% dos seus jogadores portugueses e faz inveja seguramente a tantas associações, inclusivamente empresariais ou outras que buscam ter uma delegação em Bruxelas para melhor fazer valer os seus interesses. O Benfica já tem, digamos assim, uma delegação junto das Comunidades europeias através desta sua delegação e francamente só vejo neste crescimento do Sport Bruxelas e Benfica um problema – o problema do dia em que este Clube possa ser o campeão da Bélgica e dispute a Final da Taça dos Campeões Europeus com o Benfica…

Na recente passagem do Benfica por Bruxelas para o jogo com Anderlecht todos nós fomos então testemunha da dimensão e fervor dos benfiquistas de Bruxelas e eu próprio acabei por ganhar com isso. É que tendo um diário de Lisboa dito que eu estivera presente no jantar de confraternização de benfiquistas, na semana seguinte tornei-me uma das pessoas importantes de Bruxelas para a comunidade portuguesa aí residente. Eu já tinha sido Vice-Presidente do Parlamento Europeu mas esses portugueses não saberiam porventura quem eu era. No entanto, depois de um jornal ter dito que eu era sócio do Benfica e que tinha estado no jantar de confraternização referido, pouco faltou para passar a ter uma pequena estátua na Grand Place… É por isto tudo que o Presidente Adriano Afonso, meu amigo, fez muito bem em saudar os representantes dessas delegações do Benfica aqui presentes, encargo que eu próprio tinha assinalado nos breves apontamentos que tenho aqui à minha frente.

Aliás o Benfica tem outros instrumentos além destes que citei para divulgar o que se pode chamar "cultura" benfiquista e o seu modo de estar, isto é, a atitude cívica e moral e até o estilo que caracteriza os seus, em toda a parte. Este Congresso é, ele próprio, único, ele próprio, também, pelo menos até hoje, impensável, em relação a outras colectividades. Tem ainda o “Jornal do Benfica” e a Revista “O Benfica Ilustrado” de que está aliás na mesa um carismático ex-director, jornal que é sem dúvida um grande elo de aproximação entre todos os benfiquistas e que hoje, dirigido aliás por um amigo meu que não cito para não parecer que pertencemos a uma sociedade de elogio mútuo, tem sem dúvida uma vitalidade excepcional e é um correio cumpridor da necessidade que há numa família de todos saberem o que se passa. Tem, além disso, meios audiovisuais a que, embora ainda não totalmente explorados, a diligência desta direcção e das futuras com certeza se encarregará de dar uma expressão crescente.

III

O Benfica, além disso, tem uma política de cooperação com os países de língua portuguesa. Nada mais nada menos! E parece-me essa uma atitude essencial e muito positiva. O Benfica tem uma tradição neste campo. Alguns dos seus grandes jogadores do passado, como Eusébio ou Coluna, mas tantos outros que marcaram viragens decisivas na importância europeia do nosso futebol nacional são avais dessa vocação de cooperação que não pode ser perdida e, pelo contrário, tem de ser desenvolvida, como aliás também passos recentes atestam. É o caso dos protocolos de cooperação com clubes de Moçambique e Angola; do envio de treinadores e técnicos, no campo da ginástica em particular; da recepção e preparação de atletas através de estágios, como o caso de 5 atletas de uma equipa de Moçambique; da deslocação de equipas, como, recentemente, a equipa de Hóquei do Benfica a um desses países. Tudo isso traduz a ideia de que o Benfica sendo português, sim, pode, ao mesmo tempo, ser uma espécie de multinacional da língua portuguesa. Talvez fosse um conceito possível. Além de uma “Equipa para a Europa” o Benfica, como aliás é vocação da sua cidade-mãe, poderia ser uma espécie de ancoradouro na Europa desportiva do desporto de língua portuguesa. Talvez seja de recordar – e eu recordo sobretudo os jogadores, não apenas por estar mais atento a esse aspecto, mas porque são eles que me são mais lembrados todos os dias em casa pelo único ganho que eu dei ao Benfica até hoje e que são três jovens benfiquistas meus filhos – os brasileiros que animam neste momento de um modo brilhante a equipa do Benfica.

IV

Mas o Benfica foi também pioneiro não apenas destas relações com os países de língua portuguesa, mas da transição europeia de Portugal, quando ainda éramos um Império. Quando ainda não pensávamos na integração europeia, já o Benfica se integrava na Europa ao nível mais alto possível. Já nessa altura o Benfica passava o Adamastor europeu e abria ao País as rotas de uma outra “boa esperança”, a um nível que foi também, sem dúvida, fundador e que está ainda com certeza na memória de todos.

Não admira assim que o Benfica se tenha sempre sentido na Europa, desde então, como um senhor ou, para utilizar ainda uma metáfora marinha dos tempos de outro tipo de aventura, mais atlântica, como o “peixe na água”. Alguns dos momentos mais altos, mais históricos, mais vividos do desporto português desde a Taça Latina em 1950 com o seu apogeu nas vitórias da Taça dos Clubes Campeões Europeus estão directamente ligados ao Benfica. Talvez essa vitória na Taça Latina seja mesmo o primeiro acontecimento desportivo que eu tenho na minha memória pois tinha 6 anos, era já adepto do meu outro clube – a Associação Académica – embora não fosse ainda do Benfica, mas talvez aí tenha tilintado algum do significado que o Benfica tinha para o próprio País no seu conjunto.

Também seria “ensinar o padre nosso ao cura” lembrar-vos que foi o Benfica quem ganhou mais Campeonatos Nacionais e mais Taças de Portugal, quem forneceu mais jogadores à Selecção Nacional, quem fez ouvir mais vezes o Hino Nacional, quem fez desfraldar mais vezes a Bandeira Portuguesa e tudo isto não podia senão gerar uma crescente identificação entre o Benfica e o País. Benfica é, aliás, uma palavra que não se pode traduzir lá fora. Pode-se pronunciar de modo diferente mas a palavra em si é tão portuguesa que é difícil traduzi-la.

Aliás, é por igual difícil “traduzir” os 90 000 sócios que o Benfica tem, porque, salvo erro, é bastante difícil encontrar na Europa e no mundo clubes com 90 000 sócios. Eu estava a ouvir um relato sobre o Benfica numa emissora belga e o locutor falava da “raridade” que é o Benfica ter 90 000 sócios, mas, depois de citar esse número, começava a falar em voz mais baixa como se tivesse medo de um número tão grande. Realmente quando o Benfica vai defrontar um clube que tem um único sócio (que é a Philips) como é o PSV em Estugarda, a desproporção sente-se. Mas afinal nós somos também uma multinacional, mas de língua portuguesa.

Parece por tudo isto que temos algumas razões para acreditar que essa mística pode funcionar quando vamos defrontar um clube (PSV) que tem um estádio de bolso, um daqueles estádios que já foram feitos para a televisão e não para os espectadores, enquanto nós temos um estádio que foi feito para os espectadores e às vezes por isso até recusa a televisão ou a excede. A verdade é que temos talvez aí algumas razões para considerar que esta mística tem sentido e é positiva. O Benfica afinal é ao mesmo tempo muito português mas é por isso que pode ser também mais capaz de representar e combater lá fora, ombro a ombro, par a par com os outros clubes, dos outros países. Há no fundo um culto desportivo dos valores patrióticos e populares portugueses, aqui aliás sublinhado da expressão do meu antecessor nesta tribuna, Dr. José Hermano Saraiva, ao dizer que o Benfica tinha nascido pobre, popular e português. No fundo “Viva Portugal” e “Viva o Benfica”, para quem como eu tem um estatuto meio emigrante, são expressões da identificação própria e comum que dizíamos a seguir uma a outra. Tudo isto faz pensar que as caravanas do Benfica, como esta de Estugarda, são caravanas tipicamente nacionais e que o vermelho deste clube, de facto, não é outro senão o da Bandeira Nacional…

Toda essa saga a que fiz uma pequena alusão, começando na Taça Latina, culminou com a dupla vitória na Taça dos Campeões Europeus. O Estádio da Luz transformou-se então numa Meca do futebol europeu, no palco dos mais brilhantes sucessos desportivos portugueses, aliás, dir-se-ia ironicamente, da mais saudável forma de vida nocturna que os maridos lisboetas podiam oferecer às suas mulheres… Oferecia um verdadeiro espectáculo de luz e de som naturais em tantas noites de beleza, de vibração e de alegria, na altura em que Eusébio e os seus companheiros se tornam nas estrelas das estrelas deixando ignorados em Berna, para os caçadores de autógrafos, outros ídolos que até então eram os maiores do firmamento europeu. Os próprios símbolos do Benfica adquiriram talvez nessa altura novas significações. A Águia passou a significar voar sobre a Europa; o lema de “todos por um, um por todos” passou a significar o próprio consenso do País à volta do Benfica; talvez a “cor” tenha passado a ser um pouco mais a da bandeira e seguramente a alegria de todo o povo português nos seus momentos felizes. De facto, é seguro que quando o Benfica arranca num momento de alegria é mais fácil que todos possamos partilhar esse mesmo sentimento. Atrevia-me quase a dizer que o Benfica adquiriu então o estatuto de “anti-D. Sebastião” porque quando passava a fronteira sempre ganhava mas ao mesmo tempo sempre voltava com a totalidade dos seus jogadores. É isso aliás que continuaremos a esperar de Estugarda, numa altura em que o tudo o que seja ganhar na Europa é sem dúvida um sinal outra vez mais prometedor não apenas para o Benfica mas para todo o País no seu conjunto.

O Benfica terá deixado até então de ser um clube apenas de Lisboa. Era um Clube que tinha em Lisboa o seu aeroporto, o seu estádio, mas era o que tomava mais vezes o avião. Jogava no estrangeiro muitas vezes como se estivesse a jogar em casa, porque se tornaram familiares as cenas em que os portugueses dispensavam o regresso a Portugal cada vez que o Benfica jogava no estrangeiro. Foi bonito aliás outro dia ver a manifestação feita no Porto quando o Benfica ganhou aqui a passagem à final. No Porto há com certeza muitos benfiquistas mas seguramente essa manifestação tinha um carácter para lá do próprio benfiquismo. Aliás, é bonito pensarmos que, pela segunda vez, primeiro através do Norte e do Porto, agora através do Sul, mas do País no seu conjunto, sem dúvida, Portugal demonstra esta aptidão para o novo jogo europeu em que estamos envolvidos. E até me permitia acrescentar que no futebol como nos outros desafios europeus em que estamos envolvidos o mais difícil é a primeira e a segunda eliminatória. Se nós passamos a primeira e a segunda eliminatória com o Porto e o Benfica o ano passado e este ano, isso é, sem dúvida, um grande empurrão para que, quando termine a outra segunda eliminatória em 1992, nos campos da economia, da política e do progresso social nós sejamos também capazes de passar a um outro tipo de final.

Em geral o Benfica foi e continuará a ser um viático da saudade portuguesa para os nossos emigrantes, mas sobretudo uma agulha enorme desta teia de portugalidade que todos nós continuamos a tecer todos os dias. Temos até a sensação de que para onde quer que vamos o Benfica não acaba. Eu já estive no extremo do Egipto a 900 km da nascente do Rio Nilo e lá ouvi falar no Benfica. A primeira vez que visitei a Basílica de S. Pedro vi num portão enorme de bronze um emblema do Benfica com o nome do clube escrito por baixo. Todos vocês sabem o que significa de calor próprio, quando, viajando pelo estrangeiro, mesmo a fazer turismo, não deixamos de nos sentir sozinhos e achar confortável encontrar os símbolos que nos falam do próprio País.

O Benfica tem crescido, pois, numa identificação crescentemente perfeita com aquilo que seria o seu maior objectivo, a defesa da permanência e do aperfeiçoamento do homem português ele próprio “ecuménico” na sua vocação, ele próprio com necessidade de resolver esta claustrofobia que é ter uma única fronteira com a Espanha e de a passar e de a vencer no sentido mais expressivo da expressão. Às portas da final de Estugarda só não vou falar mais desta mística para não a gastar. Ela será mesmo mais precisa em Estugarda do que aqui. A mística é que permite ganhar inclusivamente quando não se é o favorito. Ela ajuda a agigantar as dimensões dos que parecem mais pequenos à partida. Ela arrasta mesmo os que não gostam de futebol, ou os que não são do Benfica.

Ter uma mística é ainda ter um estilo próprio, talvez felino e criativo, mas sobretudo ter a segurança que dão uma classe e uma tradição que permitem enfrentar as circunstâncias mais difíceis e neste caso o ambiente de uma final, com aquilo que também se diz do vinho do Porto que é que quanto mais velho melhor é. Lá fora é importante que o Benfica continue a ser um dos nossos emblemas de vitória. Feliz ou infelizmente temos alguns emblemas mas nem todos de vitória. Precisamos cada vez mais de emblemas de vitória e nós que vivemos e trabalhamos lá fora procurando também agigantar o nome do nosso País sabemos quanto isso vale. O Benfica conseguiu já este milagre num ano em que o alargamento, por exemplo, da primeira divisão para 20 clubes não facilitava a internacionalização do futebol português, mas no seu próprio comportamento interno e externo e no contraste entre ambos ele mostra como a representação do País foi mais importante para ele do que o próprio sucesso interno. A sua experiência esta época demonstra como se agiganta mais facilmente quando não é apenas o seu nome que está em causa mas o nome do próprio País comum.

Acredito que estamos a abrir agora uma espécie de segunda dinastia europeia do Benfica e que a Luz voltará a ser um dos grandes pontos de encontro do futebol europeu. Há condições para isso e contamos com Estugarda como uma terra prometida do desporto português. Já houve aí um golo famoso da Rosa Mota e temos o direito de esperar que, mais uma vez, à portuguesa, não haja duas sem três…

A Europa constrói-se também através do desporto. Não é apenas uma solidariedade de países e de regiões. É também uma solidariedade e uma competição de homens de desporto e o Benfica, que é um elemento da mística nacional, poderá vir a ser, se é que não é já, também um factor da própria mística europeia em cuja construção estamos implicados. Espero pois que esta final seja mais um elo da arrancada europeia do Benfica e de Portugal e um elo do Benfica e de Portugal na construção em que ambos estão empenhados. Viva o Benfica e Viva Portugal.

(Discurso proferido de improviso, a partir de curtas notas escritas, no I Congresso do Sport Lisboa e Benfica, em 1989)

Um comentário:

José Leite disse...

Hoje, dia mundial da meteorologia, era bom que todos se pudessem rever nesse sol de clarividência e lucidez que foi Francisco Lucas Pires. Para que as nuvens de fundamentalismo que pairam no horizonte sejam dissipadas pelos ventos de lucidez e inteligência.
Que no mare nostrum da cultura o barco igualdade de oportunidades seja uma realidade e não uma miragem...