sexta-feira, 2 de maio de 2008

Futebol e Poder Local



O dia 1 de Agosto é a data limite para as decisões sobre o novo regime das sociedades desportivas. Vários problemas subsistem porém a curto prazo além de outros mais permanentes sobre a nova lei. No primeiro plano, o dr. José Manuel Meirim, por exemplo, já defendeu com brio a inconstitucionalidade das regras sobre a responsabilidade dos dirigentes desportivos, tão completamente alheias são elas à noção de culpa. Por outro lado, a Liga pensa que a necessidade de prestação de caução (10% dos respectivos orçamentos) só valeria para a próxima época desportiva, o que, como notou o dr. Fernando Seara, rompe a coerência do dispositivo responsabilizador no seu conjunto. O pós-1 de Agosto está assim entre esvaziamento, adiamento e o aquecimento próprio da época...
Num plano mais geral, eu próprio já tenho chamado a atenção para os problemas estruturais de longo prazo do que, para empregar a expressão do ministro Jorge Coelho a outro propósito, pode ser considerado uma "caldeirada" do clubismo clássico, comunitarismo municipalista e capitalismo populista, numa convivência que não se afigura fácil. Em concreto, um dos riscos principais é o da interpenetração câmaras-clubes, com os deslizes que se imaginam. No limite não estaria excluído que os clubes começassem a apresentar candidatos às câmaras e vice-versa. Sobretudo quando começar a possibilidade de listas de independentes no Poder Local. Até porque os clubes são os principais animadores das sociedades civis locais, e tenderão, face à lei a constituir-se, como os mais poderosos grupos de influência.
A verdade é que já toda a gente percebeu a importância do futebol na vida local. No seu primeiro e prometedor comício como candidato à Câmara Municipal da Figueira da Foz, Santana Lopes anunciou como um dos pontos da sua agenda política — um dos mais destacados pelos jornais — a subida da Naval 1º de Maio à I Divisão. Preveniu ao mesmo tempo que não usará a estratégia que na Madeira recentemente fora contestada para a reorganização do futebol regional. Felizmente, Santana Lopes, cuja simultânea experiência no domínio político e desportivo é difícil de igualar, poderá usar tais mecanismos com perícia. A ideia em si mesma está, porém, à disposição de todos os outros candidatos pelo país fora e é fácil, por exemplo, imaginar o que aconteceria no Porto se Pinto da Costa não tivesse em Fernando Gomes um seu aliado.
É, de resto, para lá dos grandes centros que a utilização política do futebol e a recíproca utilização futebolística das câmaras são mais prováveis. Todos sabem que o futebol é uma das formas de pôr certas terras no mapa, como, aliás, estatísticas e sondagens de vários tipos têm demonstrado, e se torna uma exigência quando a visibilidade é a mais óbvia condição de atractividade em que todos apostam. É por isso que se pode imaginar que, ao lado da dimensão político-jurídica europeia (caso Bosman) e nacional (totonegócio, etc...) o futebol se desenvolverá cada vez mais numa dimensão regional e local que a nova lei vem acicatar. A agenda Santana Lopes pode neste plano ter um sentido bandeirante... E não apenas no sentido oposto. Mas também no de o sul assim querer abrir uma frente ao centro, para melhor se equilibrar a hegemonia desportiva do norte...

(Crónica no jornal "O Jogo" de Sábado, 12 de Julho de 1997)

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