A tensão no futebol parece grande mas se pudéssemos reduzir os conflitos da sociedade ou da política a um desafio de futebol – mesmo a um campeonato inteiro – ver-se-ia quanto se exagera a esse respeito.
Não sei também quantos desesperos aliviou o jogo de boxe entre Tyson e Holyfield. Mas sei que serão ainda mais os que serão digeridos pela colossal expectativa de uma desforra entre ambos. Em ambos os casos, a libertação de energia colectiva será provavelmente maior que a provocada pelo duelo Clinton-Dole, o que, aliás, tem o mérito de revitalizar a política. A mística no desporto facilita a racionalidade na política.
Ao contrário, a crise do Benfica é uma fonte de apatia considerável. Julgo que, descontando algum exagero clubístico, é uma das causas da crise no futebol português. No fim de contas é o clube com mais de metade dos adeptos do país – dir-se-ia o clube da maioria absoluta. A liderança é dedicada e laboriosa. Só que o clube flutua mas não anda. Ora esse é o terreno onde os pés se costumam atolar.
Agora sobe-se a aposta: liderar a luta pela limpeza no futebol e ganhar o campeonato contra tudo e contra todos. Imagine-se que sentimento colectivo (nacional?) de empolgamento nos restituíram as noites cheias da Luz! Receia-se é que falte o elemento mítico que o boxe exacerba e que parece constituir o “suplemento de alma” que faz a diferença no mundo da ultracompetição (a “alta” já foi ultrapassada).
É verdade que o grande perigo de um Estádio cheio é esquecer as dívidas. O factor “místico” no futebol é referido no feminino como “mística”, como se se tratasse de uma deusa pagã, vinda directamente da antiguidade, de um daqueles estádios onde se inventaram as competições. No entanto, tal factor também pode ser favorável às finanças.
Não sei, por isso, se é bom tratar das finanças desmistificando, como faz José Roquette, financeiro de golpe de asa e desportista de linhagem familiar. De certo modo, o futebol é um garrafal xarope antidepressivo, uma mezinha de saúde pública popular. Ora, um tónico da alma não se avia nos bancos, embora possa encher as contas bancárias dos clubes e dos jogadores, se estiver a ser eficaz. Tem afinal de lidar com uma espécie de doença psico-social, a que, de resto, não é ele próprio imune e é, por isso, que o “desportivamente correcto” funciona ainda menos que o “politicamente correcto”.
Percebe-se melhor assim que Pinto da Costa tenha explicado o seu sucesso como “paixão”. Esta nem sequer é a melhor receita para os longos matrimónios. Mas foi por essa via que Pinto da Costa se tornou o dirigente mais “mítico” do futebol português e, apesar disso, o que criou melhores condições para enfrentar a questão financeira.
Fernanda Ribeiro já foi a pé a Fátima e Holyfield diz que conseguiu esmurrar Tyson pela força da graça de Deus. Algures há mais forças que as humanas para ganhar a outros seres humanos. E o desconhecido é ainda a mais prosaica revelação da linha do infinito, apesar de ele próprio ter um campo de acção cada vez mais estreito. É disso que, por essa ou outra via, precisa o esforço concentrado e contínuo da vitória: uma ajuda “mística” e de “mitos”.
(Crónica semanal no Jornal “O Jogo”, 27 de Setembro de 1997)
Não sei também quantos desesperos aliviou o jogo de boxe entre Tyson e Holyfield. Mas sei que serão ainda mais os que serão digeridos pela colossal expectativa de uma desforra entre ambos. Em ambos os casos, a libertação de energia colectiva será provavelmente maior que a provocada pelo duelo Clinton-Dole, o que, aliás, tem o mérito de revitalizar a política. A mística no desporto facilita a racionalidade na política.
Ao contrário, a crise do Benfica é uma fonte de apatia considerável. Julgo que, descontando algum exagero clubístico, é uma das causas da crise no futebol português. No fim de contas é o clube com mais de metade dos adeptos do país – dir-se-ia o clube da maioria absoluta. A liderança é dedicada e laboriosa. Só que o clube flutua mas não anda. Ora esse é o terreno onde os pés se costumam atolar.
Agora sobe-se a aposta: liderar a luta pela limpeza no futebol e ganhar o campeonato contra tudo e contra todos. Imagine-se que sentimento colectivo (nacional?) de empolgamento nos restituíram as noites cheias da Luz! Receia-se é que falte o elemento mítico que o boxe exacerba e que parece constituir o “suplemento de alma” que faz a diferença no mundo da ultracompetição (a “alta” já foi ultrapassada).
É verdade que o grande perigo de um Estádio cheio é esquecer as dívidas. O factor “místico” no futebol é referido no feminino como “mística”, como se se tratasse de uma deusa pagã, vinda directamente da antiguidade, de um daqueles estádios onde se inventaram as competições. No entanto, tal factor também pode ser favorável às finanças.
Não sei, por isso, se é bom tratar das finanças desmistificando, como faz José Roquette, financeiro de golpe de asa e desportista de linhagem familiar. De certo modo, o futebol é um garrafal xarope antidepressivo, uma mezinha de saúde pública popular. Ora, um tónico da alma não se avia nos bancos, embora possa encher as contas bancárias dos clubes e dos jogadores, se estiver a ser eficaz. Tem afinal de lidar com uma espécie de doença psico-social, a que, de resto, não é ele próprio imune e é, por isso, que o “desportivamente correcto” funciona ainda menos que o “politicamente correcto”.
Percebe-se melhor assim que Pinto da Costa tenha explicado o seu sucesso como “paixão”. Esta nem sequer é a melhor receita para os longos matrimónios. Mas foi por essa via que Pinto da Costa se tornou o dirigente mais “mítico” do futebol português e, apesar disso, o que criou melhores condições para enfrentar a questão financeira.
Fernanda Ribeiro já foi a pé a Fátima e Holyfield diz que conseguiu esmurrar Tyson pela força da graça de Deus. Algures há mais forças que as humanas para ganhar a outros seres humanos. E o desconhecido é ainda a mais prosaica revelação da linha do infinito, apesar de ele próprio ter um campo de acção cada vez mais estreito. É disso que, por essa ou outra via, precisa o esforço concentrado e contínuo da vitória: uma ajuda “mística” e de “mitos”.
(Crónica semanal no Jornal “O Jogo”, 27 de Setembro de 1997)
Um comentário:
Há que desmistificar esta mitomania que devora tudo e todos: no futebol, no poder local, na governação.
Há pódios culturais artificialmente criados para alçapremar alguns «bonzos» que mais não são que «ungidos pelo sistema»...
É triste, mas às vezes parece que a «outra senhora» está cá, de plena saúde e cheia de pujança!
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