quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Debates Parlamentares: a projectada Adesão de Portugal à CEE (1977)


O Sr. Lucas Pires (CDS): (...) Em quarto lugar e por último, focava este ponto: a prioridade à frente externa e a mutação qualitativa que em Portugal, e porventura no próprio seio da Comunidade, a nossa integração na Europa importará é, sem dúvida, um motivo de reorganização política nas relações entre os partidos internamente, porque de um lado ficam os partidos que aderem à Europa e do outro os partidos que a ela não aderem, mas implica também uma reorganização económica. Era no plano deste último ponto, que me parece, enfim, susceptível de considerações mais claras, que eu situava as minhas questões.
É sabido que a Europa é, sobretudo, uma grande fábrica, é o maior importador e exportador do mundo, é, portanto, uma potência mundial que vive basicamente à base da sua tecnologia e da sua mão-de-obra qualificada, que não da existência de matérias-primas ou de recursos nesse plano. Eu pergunto se o Governo dá prioridade à formação técnica dos portugueses e à integração das organizações laborais na Europa ou se dá prioridade à formação de capital e capacidade financeira e empresarial em Portugal. Isto parte da resolução do seguinte problema de análise: o que nos separa da Europa é um desnível tecnológico ou é um desnível financeiro e económico?
Este problema parece-me importante, nomeadamente porque importa saber se, tendo nós dez anos para formar uma geração profissionalmente europeia, o Governo tem algum plano educacional para responder a este desafio. Queremos nós ou não evitar ser, na Europa, mão-de-obra barata, mão-de-obra inqualificada? Temos em atenção o problema de fazer equivaler as nossas qualificações técnicas de licenciados ao nível europeu? Temos algum plano para reimportar os nossos 30.000 técnicos exilados? Ou será que vamos vestir o casaco de peles da Europa sem ter sequer roupa interior?
Risos.
Queria fazer outra pergunta, ainda que no contexto desta última. Sendo a opção do Plano aqui expressa, e às vezes mastigada, a de que a recuperação do sector privado seria feita por arrastamento do sector público e confessando agora o Governo que o desenvolvimento externo desencadeará, ele próprio, um desenvolvimento económico interno por arrastamento e sendo certo que nesta segunda perspectiva é a iniciativa privada o motor do desenvolvimento – porque quando dizemos que o desenvolvimento vem de fora para dentro estamos a utilizar uma expressão que, no fundo, quer significar que o desenvolvimento parte da iniciativa privada para iniciativa pública, porque é evidente que não vamos deixar que sejam os Estados estrangeiros a investirem aqui, etc. –, esta alteração, que é fundamental do ponto de vista do Plano, importará ou não uma nova vontade planificadora, uma nova atitude planificadora, uma revisão do Plano aprovado, enfim, tudo isso?
Dá-me ideia que há certos tiques, embora porventura insignificantes, de proteccionismo a curto prazo, portanto de atitude anti-integrativa, nomeadamente sinto isso quando tenho de deslocar-me ao estrangeiro, aos países da Europa, pois a minha liberdade de circulação é crescentemente peada e fala-se agora, até, na necessidade de vir a fazer depender essas excursões à Europa do depósito de certas quantias. Será isto uma política europeísta? É evidente que a mesma questão se põe em relação às restrições que a lei dos investimentos estrangeiros preceitua.
Quer-me parecer, portanto que há na política do Governo duas tendências que podem ser contraditórias a curto prazo: uma tendência para defender a nossa autonomia – e não se sabe até que ponto isso cria mecanismos isolacionistas em relação aos quais, depois, não é possível voltar atrás – e uma tendência para avançar em relação a essa integração.
Peço desculpa de pôr todas estas questões, e porventura algumas não terão razão de ser, mas é para isso que existe o debate. No entanto, é uma pequena compensação para o facto de não estar previsto um debate generalizado sobre esta questão da adesão à Europa.

(19 de Março de 1977, in Diário da Assembleia da República I SÉRIE – n.º 88, p. 3027-3028)

Um comentário:

Anônimo disse...

têm a certeza de que isto foi dito em 1977?? Aquela da roupa interior e do casaco de pele foi muito à frente...