quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

O Futebol de Casino




A situação da Direcção do Benfica assemelha-se “paradoxalmente” à do jogador inveterado, tal como foi descrito por Dostoiévski: quanto mais perde mais joga, mais investe no jogo. Em teoria, a solução seria parar este delírio, mas compreende-se, ao mesmo tempo, que ele arraste alguns adeptos, envolvidos, não apenas como curiosos absorvidos por esta sucessão de lances, mas também como apostadores por interposta colectividade.
A diferença neste momento é que o “público” como a “banca” de casino estão à beira de constatar a falência do jogador, isto é, a própria inviabilidade de continuar a apostar – como no momento da história em que todos param e uma criança se levanta para apontar que o rei vai nu.
Ter-se chegado a este ponto também significa, porém, outra coisa mais grave – que as alternativas não estão a funcionar. As personalidades da oposição são capazes, dedicadas e sabedoras. Mas os seus projectos alternativos não foram ainda percebidos publicamente nem parecem respaldados pelo “povo” benfiquista – o único, aliás, que poderia assumir uma curva revolucionária para o “delírio” de jogo e aposta que se apossou do clube. Serão eles capazes de provocar a emoção que é o “big-bang” do carisma? Terá isso acontecido já ontem quando este texto já estava na paginação?
As alternativas estão assim duplamente no escuro e, de algumas delas, poderia mesmo suspeitar-se que podem simplesmente voltar ao casino. Em qualquer caso, a situação presta-se a soluções desesperadas. Pode mesmo preferir-se alguém que acredite ao menos na derrota – o que pode parecer preferível a quem não exiba qualquer crença séria. Isto quando a primeira preocupação devia ser parar a lógica de casino, abandonar a roleta de jogadores e técnicos, o que, por si próprio, já é um projecto.
No meio da tragédia não nos podemos é queixar de que o clube não disponha de uma série de pessoas, a que na baixa gíria se chamaria de “bons políticos”. Uma Direcção que sobrevive a quatro treinadores e meia centena de jogadores em trânsito é obra! Transformar todos esses “passageiros” do clube numa espécie de pára-raios de crises e trovoadas é significativo. A equipa e os treinos são vistos como algo de destacado no próprio clube quando na realidade são o seu próprio motor, a sua identidade e o seu chamariz. Na nossa política os chefes habituados a ignorar responsabilidades pelos actos dos subordinados ainda não haviam conseguido resultados tão prodigiosos.
É curioso como há uma tal capacidade para atrair a derrota – o que na política se trataria como um anti-carisma – e, ainda assim, manter a ilusão da vitória que, no entanto, se tornou no puro delírio da aposta pela aposta. Num curso universitário um tal número de “chumbos” já teria conduzido à prescrição. Para além disso, seria natural o desalento do próprio líder, a deserção dos colaboradores, o cair do pano e até o caos. Mas eis como a “aposta pela aposta” se consegue sustentar anos e anos.
Sinal de aptidão táctica é também antecipar eleições sem falar de demissão. É como se o regime parlamentar puro, à inglesa, tivesse investido o futebol que é, no entanto, todo o contrário disso. E, no entanto, as justificações até parecem verosímeis, pois o projecto de sociedades desportivas pode sofrer com as rupturas dolorosas. Nesse plano do que é a boa política na má gíria, uma inabilidade gritante, porém: o modo como Manuel José foi despedido depois de lhe terem sido retirados os 200 por cento de confiança. Com esse falhanço, transformou-se um aparente responsável pelos resultados, numa real vítima da atrapalhação fugitiva.
E para já não vejo senão três remédios: parar o casino, ouvir o povo do Benfica e ganhar ao Sporting.

(Crónica semanal no Jornal “O Jogo”, 27 de Setembro de 1997)

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