sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Em Casa de Ferreiro Espeto De Pau?

As férias dos cronistas são longas, até porque as canetas dos ditos vão ficando mais pesadas com a idade. Mas quando se trata de futebol há uma razão suplementar: é preciso deixar assentar antes de fazer avançar a caneta. Idealmente só se devia começar a escrever lá para o meio do campeonato. De outro modo é como jogar na roleta.
Isto é uma desculpa minha, claro. Mas mais do que isso. Veja-se para já o caso Bosman. O que parecia mais difícil é o que está a ser mais fácil. Afinal os clubes entenderam a internacionalização e estão a sair-se melhor nos campeonatos de fora do que nos de dentro. O FC Porto a ganhar em Milão e a empatar nas Antas é o caso mais nítido, mas o Benfica e o Sporting não andam muito longe de caber neste juízo. O Guimarães até veio perder em casa depois de ter eliminado o Parma lá fora. Ah como é bem português o ditado — em casa de ferreiro espeto de pau.
Ainda por cima a internacionalização do futebol português seminacionalizou equipas lá de fora. Já vejo jogos do Barcelona e já torço pela equipa azul-grená só porque tem três portugueses. E o Oviedo, do grande profissional que é Paulo Bento, também tilinta na minha cabeça quando chega o fim-de-semana. A minha curiosidade passa por Madrid, Dortmund, Florença, Roterdão e a Escócia, e frequentemente rejubilo com os meus compatriotas que compõem uma espécie de equipa luso-europeia imaginária e dispersa.
O português excede-se lá fora. Os nossos emigrantes são os melhores trabalhadores do mundo, mas por cá as queixas são frequentes. Os alunos que vão lá para fora ao abrigo do Erasmus vêm com notas que as universidades de cá — aliás indevidamente — até se recusam a reconhecer, por lhes parecerem tão altas. Esquece-se a motivação de ser português do lado de fora.
O português não só vai "casar à terra alheia", como diz uma das cantigas do repertório do Orfeon conimbricense, como lá se faz muita gente. Muitos se queixavam do efeito Bosman e da exportação de "craques" portugueses. Ao mesmo tempo, outros gritavam contra a importação de estrangeiros. Mas o futebol português é que sobe no "ranking" e a contabilidade está a nosso favor. Além de termos ficado com a tal equipa imaginária que nos permite jogar em quase toda a Europa todos os fins-de-semana.
Espero é que a Selecção não borre a escrita. Afinal Artur Jorge também já foi emigrante. E muitos dos seus melhores jogadores não o são menos. Seria, aliás, paradoxal que os clubes brilhassem por fora e a Selecção ficasse na sombra. Bons votos para a Selecção. Muitos golos se possível neste recomeço pós-estival do cronista. Afinal, são os golos que nos tornam fluentes.


(Crónica de 8 de Outubro de 1996 no jornal O Jogo)

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