sábado, 23 de fevereiro de 2008

Um Curso de Economia Para Treinadores


Ao ver, na televisão, em Estrasburgo os 3-0 do Sporting ao Mónaco — ainda por cima com o capitão do Sporting e da Selecção, Oceano, em grande — o meu primeiro pensamento foi que estava vingada a maldade francesa do senhor Batta. A ironia era ver o Sporting de Octávio a vingar a selecção do arbítrio do juiz gaulês. No dia seguinte, porém, tive uma decepção. Nem o "Figaro" nem o "Le Monde" falavam do Mónaco. Afinal, se calhar, porque o Mónaco é um principado independente — o que, aliás, não impediu essa equipa de ser campeã de França. Ou se calhar só o consideram francês quando ganha. O pior estava para chegar em Lisboa. Octávio levava um cartão amarelo carregado do vice-presidente do BPI. O "banco" dos treinadores agora também depende do banco propriamente dito. O Sporting desportivo já ganhou seiscentos mil contos na Liga dos Campeões, mas o Sporting financeiro pode ter perdido outro tanto com as declarações de Octávio. A lei do dinheiro parece ser a do silêncio. O que também significa que as sociedades desportivas podem vir a conseguir uma pacificação do futebol que os "conselhos de disciplina" e "justiça" estavam longe de conseguir.
O Benfica em Bastia perdeu 1-0 e o "Figaro" fazia uma velhaca alusão ao escasso físico dos jogadores do Benfica. Nem sequer esclarecia que não era por passarem fome. Em situação normal, o 1-0 fora não era um mau resultado mas, agora, para o Benfica, o sofrível já é péssimo. A centelha não há maneira de explodir. E, por este andar, a não ser que haja ressurreição em Vila do Conde, a próxima assembleia geral, na semana que vem, começa a ser o jogo mais apetecido.
Sob este aspecto o futebol não funciona como a política. Ainda se espera que no órgão "parlamentar" haja acontecimentos não previstos. Não se marcam aí os golos que faltam no relvado. Mas imagina-se que a oposição, que apenas vai soletrando algumas críticas, poderia aí emergir como emanação directa do povo benfiquista, se calhar sem "presidente", nem "treinador" nem jogadores para comprar, mas catapultado pela insatisfeita fome de ganhar.
O problema é que no Benfica começa a estar tudo em causa e quando está tudo em causa só uma revolução dá. O problema é que a vanguarda desta revolução não se nota e os riscos são grandes. O projecto de Sociedade Desportiva vem da direcção e a opinião da oposição só sussurra críticas avulsas. É isto que faz ainda medo, como se estivesse entre a decadência e o quase nada.
Apesar disto tudo quase só se fala de treinadores. De quantos treinadores já se falou! Manuel Damásio garante que Manuel José cumprirá o contrato. Eu julgo que a fórmula devia ter sido outra — se cair um caem todos. O que nem sequer é bom. Porque pelos vistos ninguém preparou a "revolução" e o Benfica devia resolver as crises apenas nas eleições. Mas também aqui treinadores e sociedade desportiva são como o saco e o baraço inseparáveis.
Para não destoar, no Porto também António Oliveira tomou a dianteira. As equipas de Lisboa, cidade de Ulisses, parecem dar-se melhor com os ares da Grécia. O norte é mais romano do que grego, como é mais cristão do que árabe... embora as contas do FC Porto sejam mais um lugar ao sol (1º, 2º) no seu grupo, o treinador do FC Porto também não escapou aos considerandos financeiros. Tal como a Liga dos Campeões está, até valia mais o segundo lugar, disse Oliveira. Afinal, ela seria só para quem faz "investimentos loucos" e participar na superliga é só para ganhar dinheiro. Está visto: com o euro e as sociedades desportivas a chegar, nem os treinadores escapam à economia... Os novos cursos desta modalidade devem mesmo passar a incluir a cadeira de economia.

(Crónica de 20 de Setembro de 1997, no jornal "O Jogo")

6 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pela vossa iniciativa!
Já me associei, publicamente, a ela (http://abnoxio.weblog.com.pt).

Ademar Santos

Rafael Lucas Pires disse...

Bem haja!
Um abraço,

Anônimo disse...

Através do blogue do João Gonçalves (Portugal dos Pequeninos) tive notícia da vossa bela iniciativa.
Quero associar-me à justíssima homenagem e dizer-vos que guardo do vosso Pai a memória de uma personalidade verdadeiramente excepcional.
Um afectuso abraço do
Luís Bigotte Chorão

Jacinto Lucas Pires disse...

Muito obrigado.
Abraço nosso também

Unknown disse...

Francisco Lucas Pires era um benfiquista que, apesar de apaixonado pelo “glorioso”, observava o mundo do futebol, como tudo o resto da vida, com sabedoria, do “quarto anel”. Hoje, haveria já diagnosticado as maleitas que levaram a pobre da centelha a extinguir-se e a consumir desportivamente a paciência dos seus quatro Filhos.

Martinho Lucas Pires disse...

e como nós, pediria que essas mesmas maleitas fossem curadas. Um abraço